Arte Negra como Resistência Ambiental: Obras, Artistas e Movimentos que Unem Arte, Clima e Política Racial
- Amanda Guilherme

- há 3 dias
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Introdução
Contexto do Tema
A crise climática global não é um fenômeno neutro; ela se manifesta de forma desproporcional, atingindo mais severamente as populações historicamente marginalizadas. No centro desse debate está a justiça ambiental, que reconhece como o racismo estrutural e o colonialismo levam à concentração de poluição e à vulnerabilidade climática em comunidades negras, indígenas e periféricas. A Arte Negra emerge, nesse cenário, não apenas como representação, mas como uma poderosa ferramenta de denúncia, memória e projeção de futuros possíveis.
Relação com Cultura & Clima
A relação entre Cultura e Clima reside na ideia de que as práticas, saberes ancestrais e expressões artísticas de um povo são intrinsecamente ligados à sua relação com o meio ambiente. A Arte Negra retoma a conexão profunda entre corpo e território, descolonizando o conceito eurocêntrico de "natureza" como algo separado do humano. As obras se tornam biografias de rios, paisagens de luta e mapas de resistência contra a devastação.
Por que Importa na Consciência Negra
Este tema é vital para a Consciência Negra, pois desloca a narrativa da população negra de "vítima" para agente central na luta pela sobrevivência planetária. Ao conectar a luta antirracista com a ambiental, reconhece-se que a exploração dos corpos negros e a exploração da Terra são faces da mesma moeda histórica: o sistema capitalista extrativista e colonial. A resistência ambiental é, portanto, uma extensão da luta pela vida e dignidade negras.
Objetivo do Minicurso
Este minicurso tem como objetivo introduzir, contextualizar e analisar as formas pelas quais artistas, obras e movimentos negros têm utilizado a arte como uma plataforma crítica para abordar as intersecções entre crise climática, política racial e justiça social, focando especialmente em exemplos e implicações na realidade brasileira.
Conceitos Básicos
Termo Essencial | Definição Rápida | Ideia-Chave |
Justiça Ambiental | Movimento que busca a distribuição justa de benefícios ambientais e a mitigação equitativa dos impactos negativos (poluição, riscos climáticos), independentemente de raça, classe ou origem. | Equidade na exposição a riscos e no acesso a recursos. |
Racismo Ambiental | Prática institucional e individual que concentra riscos ambientais e nega acesso a recursos ambientais saudáveis em comunidades racialmente oprimidas. | Desigualdade racial na distribuição de danos e benefícios ambientais. |
Afrofuturismo Ambiental | Gênero estético e filosófico que projeta futuros (e resgata passados) onde a tecnologia, a ecologia e a cultura negra coexistem em harmonia, oferecendo alternativas não-eurocêntricas. | Imaginação de futuros negros ecológicos e tecnológicos. |
Ecologia Negra | Perspectiva que enfatiza as conexões entre a exploração da Terra e a exploração dos corpos negros, integrando as lutas por libertação racial e ambiental. | Indivisibilidade da libertação negra e ecológica. |
Contexto Histórico
Origem do Tema
Embora o termo "Racismo Ambiental" tenha sido popularizado nos EUA na década de 1980, a sua prática remonta à origem da diáspora e do colonialismo. O sequestro de pessoas africanas e sua escravização foi um ato de violência territorial e ecológica, pois rompeu a relação ancestral com o meio ambiente de origem e forçou o trabalho em ambientes hostis e extrativistas. A arte negra sempre esteve intrinsecamente ligada a este grito por terra e liberdade.
Momentos ou Movimentos Importantes
Black Arts Movement (EUA, 1960s-70s): Embora focado em identidade, gerou obras que criticavam a degradação urbana e a alienação das comunidades negras do acesso a espaços verdes.
Movimento de Justiça Ambiental (Global, 1980s em diante): A arte se tornou um veículo direto para documentar e protestar contra a poluição industrial em bairros negros e latinos.
Arte Indígena e Quilombola Contemporânea: A produção artística que resgata e celebra a cosmologia e a relação intrínseca com o bioma (Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia) como forma de resistência ao agronegócio e ao desmatamento.
Referências Negras Relevantes (Artistas e Obras)
Mãe Stella de Oxóssi (Brasil): Através da literatura e da prática religiosa do Candomblé, transmitiu uma profunda filosofia ecológica, onde a natureza é sagrada e cada elemento (folhas, rios, árvores) tem um Orixá guardião.
Wangechi Mutu (Quênia/EUA): Conhecida por suas colagens e esculturas que combinam corpos femininos negros com elementos da natureza e sucata, criticando o consumo e a violência extrativista.
Sonia Gomes (Brasil): Utiliza tecidos e objetos coletados para criar suas instalações e esculturas orgânicas. Suas obras resgatam a memória e o saber manual, transformando o "refugo" em um corpo poético que fala sobre tempo, território e resiliência.
Realidade Brasileira Atual
Situações Concretas
No Brasil, o Racismo Ambiental se manifesta de forma cruel:
Deslizamentos e Enchentes: Moradias precárias em encostas e áreas de risco (favelas e periferias) são as primeiras a serem devastadas pelas mudanças climáticas (chuvas intensas e secas prolongadas).
Contaminação Química: Comunidades quilombolas e ribeirinhas estão na linha de frente dos impactos do agronegócio e da mineração, sofrendo com o envenenamento por agrotóxicos em suas águas e terras.
Insegurança Alimentar: A dificuldade em manter a agricultura familiar e os saberes tradicionais, devido à falta de apoio e à degradação do solo, afeta diretamente a saúde das comunidades.
Exemplos Atuais (Artistas e Ações)
Aline Motta (Brasil): Em suas obras, como a série (Outros) Fundamentos, ela investiga a história de sua família em relação à terra e à água, conectando a diáspora, a memória e a ecologia fluvial como um corpo único.
Gê Viana (Maranhão, Brasil): Sua fotografia documental e artística retrata a vida e a luta de comunidades tradicionais (quebradeiras de coco, quilombolas), celebrando a sabedoria ancestral no manejo da terra e denunciando os conflitos territoriais.
Impactos em Comunidades Negras/Periferias
A arte não só documenta, mas também se torna terapia. Projetos artísticos em periferias e quilombos transformam lixões e espaços degradados em jardins comunitários ou murais que narram a história local, reafirmando o direito à cidade e a um meio ambiente limpo. A ausência de saneamento básico e o descarte irregular de lixo, por exemplo, são temas recorrentes na arte urbana que denuncia a falha estatal.
Caminhos e Soluções
Iniciativas Negras
Arte-Educação Ambiental: Uso de grafite, performance e contação de histórias para educar crianças e jovens em periferias sobre gestão de resíduos, plantio e soberania alimentar, ligando esses temas à herança cultural negra.
Mapeamento e Cartografia: Artistas e ativistas usam a arte visual para mapear os locais de risco e de resistência, criando documentos sociais que validam a posse da terra e a memória, como ocorre nas comunidades quilombolas e de pescadores.
Estratégias de Resistência
Resgate da Tecnologia Ancestral: A arte que celebra o plantio em roças e quintais, as práticas de cura com ervas (Fitoterapia) e a culinária tradicional é uma forma de resistência ativa, garantindo a biodiversidade e o conhecimento local contra a monocultura.
Performance e Ocupação: A Arte Performance Negra ocupa espaços de poder ou de degradação, forçando o público a confrontar a invisibilidade das questões ambientais nas comunidades.
Possíveis Saídas e Práticas Positivas
Desenvolvimento de Políticas Públicas: A mobilização artística pode pressionar por políticas que incluam a dimensão racial na gestão de riscos e na distribuição de recursos ambientais.
Criação de Redes: Fortalecer redes de artistas, cientistas e ativistas negros para criar soluções holísticas (ecológicas, sociais e econômicas) baseadas na visão de mundo africana e diaspórica.
Conclusão
Importância do Tema
A Arte Negra como Resistência Ambiental é a síntese da luta pela vida. Ela nos ensina que não é possível falar em sustentabilidade global sem falar em justiça racial. O artista negro é, inevitavelmente, um ecologista que utiliza a cor, o som, o corpo e a matéria para reescrever uma história de exclusão e propor uma ecologia da esperança e da reparação. A cultura é o caminho para entender e transformar a relação com o clima. A arte negra, em especial, oferece a ética de cuidado com o território (o terroir e o corpo) que o mundo precisa.
A libertação racial é, em essência, a libertação do planeta das garras de um sistema que o explora. Que a beleza e a potência da Arte Negra nos inspirem a ver a luta ambiental não como uma causa à parte, mas como o próprio cerne da nossa humanidade. Proteja o rio, defenda a floresta, cuide do vizinho, pois a luta por um clima justo é a luta por uma vida negra justa. A Arte é a semente, e a Resistência, o fruto.
A arte negra sempre foi luta, território e futuro. Se você acredita que cultura e clima caminham juntas, fortalece nossa proposta na 3ª CNDRSS: educação ambiental + economia criativa pra transformar realidades.
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