Justiça Climática: Por que Falar Disso no Brasil?
- Amanda Guilherme

- há 3 dias
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Justiça Climática no Brasil: Conceito, Urgência e o Impacto Desigual nas Periferias Urbanas e Comunidades Tradicionais.
Introdução
Contexto do Tema
A crise climática global é um fato inegável, mas seus efeitos não são sentidos de maneira uniforme. No Brasil, a emergência do clima — manifestada em secas prolongadas, chuvas extremas e aumento das temperaturas — intensifica as desigualdades sociais e raciais pré-existentes. A pauta da Justiça Climática emerge para questionar quem arca com o maior peso dos danos ambientais e quem tem menos recursos para se adaptar.
Relação com Cultura & Clima
A Cultura está intrinsecamente ligada ao clima, pois a forma como as comunidades se relacionam com o território define sua capacidade de resiliência. As práticas culturais e os saberes ancestrais de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais brasileiras (como o manejo da terra e o uso sustentável de recursos) são, em si, estratégias de mitigação e adaptação climática. A destruição desses saberes e territórios é, portanto, uma perda cultural e climática.
Por que Importa na Consciência Negra
O tema é vital para a Consciência Negra porque a maioria das vítimas da crise climática no Brasil vive em periferias e comunidades rurais negras, sofrendo com o Racismo Ambiental. Moradias em áreas de risco, falta de saneamento básico e contaminação por poluição industrial são realidades que demonstram que a exploração da Terra e a exploração de corpos negros são faces de um mesmo sistema histórico colonial-extrativista. Lutar por Justiça Climática é uma extensão da luta por dignidade e vida negra.
Objetivo do Minicurso
Este minicurso tem como objetivo definir, contextualizar e analisar a urgência da Justiça Climática no Brasil, focando em como ela se manifesta nas periferias e comunidades negras, e apresentar as iniciativas de resistência e solução lideradas por esses grupos.
Conceitos Básicos
Termo Essencial | Definição Rápida | Ideia-Chave |
Justiça Climática | Princípio que busca garantir que a mitigação dos impactos climáticos e a distribuição de recursos para adaptação sejam justas e equitativas, priorizando os mais vulneráveis. | Equidade no ônus e no bônus da transição climática. |
Racismo Ambiental | Ocorre quando políticas e práticas institucionais e individuais resultam na distribuição desigual de benefícios e malefícios ambientais com base na raça ou etnia. | Desigualdade racial na exposição a riscos ambientais e climáticos. |
Vulnerabilidade Climática | O grau em que um sistema é suscetível a, e incapaz de lidar com, os efeitos adversos das mudanças climáticas. | É maior em comunidades de baixa renda e racializadas (periferias, favelas). |
Transição Justa | Estratégia para garantir que a mudança global para uma economia de baixo carbono não sacrifique ou prejudique os trabalhadores e comunidades dependentes de indústrias intensivas em carbono. | Mudança econômica que gera oportunidades, não novas injustiças. |
Contexto Histórico
Origem do Tema
O conceito de Justiça Climática tem raízes no movimento de Justiça Ambiental, que ganhou força nos EUA na década de 1980, liderado por ativistas negros que denunciavam a concentração de lixões e indústrias poluentes em seus bairros (o caso de Warren County, Carolina do Norte, é seminal). No Brasil, o tema se fortaleceu com a luta de comunidades por água, terra e contra a contaminação, com a fundação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA).
Momentos ou Movimentos Importantes
1991 - Primeira Cúpula de Lideranças de Populações de Cor sobre o Meio Ambiente (EUA): Formalizou o termo e os princípios do movimento de Justiça Ambiental.
A Força do Movimento Quilombola e Indígena no Brasil: A luta pela demarcação de terras e pela autodeterminação é a base da resistência ambiental brasileira, uma vez que a preservação da sociobiodiversidade está ligada à manutenção desses territórios.
Fóruns Sociais Mundiais e COP's: O tema da Justiça Climática passou a ser incluído nas discussões globais a partir da pressão de grupos do Sul Global e de movimentos de base.
Referências Negras Relevantes
Robert Bullard (EUA): Considerado o "Pai da Justiça Ambiental". Seus estudos documentaram a correlação entre raça e localização de fontes de poluição.
Mãe Stella de Oxóssi (Brasil): Através da cosmovisão do Candomblé, transmitiu uma profunda filosofia de ecologia e respeito à natureza (Orixás e território), sendo uma referência cultural de resistência ecológica.
Intelectuais Contemporâneos Brasileiros: Articulação de pensadores como Célia Xakriabá (Indígena) e Ailton Krenak com ativistas negros, mostrando a interconexão da luta contra o extrativismo e o capitalismo predatório.
Realidade Brasileira Atual
Situações Concretas
O Brasil é um laboratório de injustiça climática, onde o Racismo Ambiental se manifesta de forma aguda:
Deslizamentos e Enchentes Urbanas: Periferias e favelas, onde a maioria da população é negra, estão construídas em encostas e várzeas de rios, sendo as primeiras e mais severamente atingidas por chuvas intensas.
Contaminação por Agrotóxicos: Comunidades quilombolas e ribeirinhas do Cerrado e da Amazônia sofrem com o envenenamento de suas águas e solos pelo avanço do agronegócio e da mineração.
Insegurança Hídrica e Alimentar: Secas severas no Nordeste e o aumento da temperatura em grandes centros afetam o acesso a água potável e a capacidade de manter a agricultura de subsistência nas comunidades.
Exemplos Atuais
Comunidade da Vila Autódromo (Rio de Janeiro): Símbolo da resistência contra remoções forçadas por megaeventos, expondo como a especulação imobiliária e a falta de planejamento urbano (associados à vulnerabilidade climática) afetam desproporcionalmente as populações negras.
Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu (Maranhão, Piauí): A luta pela defesa dos babaçuais e contra o agronegócio é um exemplo de ecologia negra em ação, preservando o bioma e o modo de vida tradicional.
Impactos em Comunidades Negras/Periferias
Os impactos não são apenas materiais, mas também psicossociais. O estresse crônico de viver sob ameaça de remoção, enchentes ou contaminação gera um quadro de saúde mental e insegurança social agravado. A Justiça Climática, aqui, é também a luta pelo direito à saúde ambiental e emocional dessas comunidades.
Caminhos e Soluções
Iniciativas Negras
Cartografia e Mapeamento Participativo: Comunidades utilizam ferramentas visuais e digitais para mapear áreas de risco e de resistência, criando provas sociais para a reivindicação de direitos e para denunciar o Racismo Ambiental.
Agricultura Urbana e Agroecologia: Projetos de hortas comunitárias em favelas e periferias resgatam a soberania alimentar, reduzem a dependência de grandes cadeias de distribuição e criam microclimas mais amenos.
Estratégias de Resistência
Incidência Política: A articulação de lideranças negras e periféricas em conselhos de política climática e espaços de poder para garantir que a dimensão racial esteja nas políticas públicas.
Resgate de Tecnologias Ancestrais: Valorização de técnicas tradicionais de construção sustentável, manejo de água e fitoterapia como alternativas comprovadas às soluções tecnocráticas e eurocêntricas.
Possíveis Saídas e Práticas Positivas
Inclusão de Raça e Classe no Orçamento Climático: O governo federal e municipal devem priorizar o investimento em saneamento, moradia e infraestrutura verde nas áreas mais vulneráveis.
Desenvolvimento de Câmaras de Justiça Climática: Espaços para fiscalização e diálogo, garantindo que os fundos de mitigação e adaptação cheguem diretamente às mãos das comunidades afetadas.
Conclusão
A Justiça Climática é o cerne da luta pela vida no século XXI. Ela nos obriga a encarar o legado do colonialismo e do racismo, reconhecendo que não é possível construir um planeta sustentável sem reparação social e racial. Falar de clima no Brasil é, inevitavelmente, falar sobre a vida na favela, no quilombo e na aldeia.
A cultura de resistência, a sabedoria do cuidado com o território e a arte produzida por comunidades negras e tradicionais são nossos maiores ativos na luta climática. Eles oferecem uma ética de reciprocidade com a natureza que o sistema extrativista capitalista rejeita.
A luta por um clima justo é a luta por uma vida negra justa. Exija que as políticas climáticas sejam também políticas antirracistas. O futuro do Brasil e do planeta, depende da nossa capacidade de ouvir e seguir a liderança das comunidades que, há séculos, resistem em seus territórios.
Se o clima pesa mais nas periferias, então a gente precisa falar de justiça climática agora. Apoie nossa proposta pra fortalecer a agricultura familiar com educação ambiental e gerar impacto real.
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